segunda-feira, 30 de agosto de 2021

Corrente de rio



Duas lágrimas rolaram de meus olhos,
Pequenas, brilhantes e singelas,
Apenas dois pontos escorrendo em meu rosto,
O que por hora parece um adeus,
Ficará nas mãos deles decidir,
Não me cabe a tristeza na liberdade,
Mas a dor de lhe ver fustigada pelos espinhos,
Esses mesmos que já me arruinaram,
Nadei de peito aberto em seus ramos,
Emaranhando em meu corpo,
Tamanha dor que me reconfortava,
Mártires de tantas existências,
Punindo a si mesmos nessa,
Flagelando-se por erros não cometidos,
Andando na ponta dos pés em afiados corais,
Rasgando-se, se remendando, se reconstruindo,
Assim sempre foi o caminho,
Do alto de minha torre mais alta,
Vislumbro sua partida a galope,
A meu pedido partiu,
A frente o campo de batalha, 
E aqui ficarei a observar suas lutas diárias.

Raio duplo destruído



Aqueles dias em que a maldade humana tomava meu ser,
A patente que me colocou em destaque no esquadrão,
Destruição de vidas e extermínio de indefesos,
A reparação daquilo que nunca foi infligido,
Insígnia pesada que carregava em meu peito,
O duplo raio negro ornamentado pela cruz da escuridão,
A primeira lembrança de seu sorriso encantador,
Foi no mesmo momento em que conhecia meu senhor,
Senhor dos enganos e ilusões ao qual seguia cegamente,
Foi você que tão sabiamente novamente da escuridão me retirou,
Me resgatando com suas asas de papel,
Papeis esses que era de minha função a destruição,
E de sua a proteção tão zelosa,
A biblioteca da cidade era como sua grande morada,
O fogo dessa vez era o que consumia suas esperanças e sonhos,
Entre lagrimas de desespero e fúria se fez você,
Recompôs minh’alma ao estado primal do ser,
Então despertei de minhas amarras,
A primeira viagem de avião e a fuga do antigo continente.

Revoluções por minuto



O cheiro de revolução pairava no ar,
A cidade em polvorosas gritos de revolta,
Novamente o fogo consumia tudo ao redor,
A liberdade estava sendo criada em meio a destruição,
Ao meu lado corria você em meio à multidão,
Nossas mãos tão apertadas que se misturavam,
O suor em minha testa escorria em direção aos olhos,
Em um relance dos olhos piscando,
A explosão foi ouvida por meus tímpanos perfurados,
Seu corpo lançado ao longe, tão longe que não mais encontrei,
Só me restou a dor, angústia, seus dedos entre os meus,
Em meus últimos segundos de vida na liberdade que viria,
Um sorriso de dever cumprido,
Mártires esquecidos de uma revolução tão velha quanto a história.

Capa e Anel



Retornamos juntos quando nada mais eu tinha,
Novamente estava perdido em meio a destruição,
Nem mesmo a fala me foi concedida facilmente,
Anos de tortura em meio a uma vida de tristeza e solidão, 
Assistindo como um espectador avido, 
A vida que passava devagar em meio a comunidade rural,
A tragédia pressentida de meus futuros dias,
Morte e desalento me tomavam pelas mãos,
O refúgio obtido do visto como opressor,
As investidas arbitrarias que me afugentavam de meu destino,
Foi então que em meio a escuridão lhe vislumbrei,
A querida sobrinha do monsenhor que me fustigava,
Senhora do meu destino novamente tecido com seus laços,
Pusera a luz em meus olhos e a fúria de viver em meu coração,
Uma guinada em meus dias foi arquitetada pelo senhor da capa,
Em meio a noite iluminada pela lua alta,
A fuga de meu destino me pois a andar, 
“Volte, tome tudo que lhe é de direito, até ela.”
Disse o vulto espectral diante de mim ao me entregar a capa e o anel.

A torre



Nunca assim lhe escrevi,
Dizendo o esquecimento de nossas aventuras,
Lhe fazendo visualizar tudo que já revi,
Voltaremos então a primeira lembrança,
Aquela em que acordei de súbito,
O ambiente mal iluminado, 
Jazia meu corpo em repouso por entre peles,
A fulgura longínqua de uma fogueira,
O medo do desconhecido que me tomava,
Terras longínquas das quais não voltaria,
Perdido em meio a minha dor e fé,
Um surto de pura insanidade,
Então na escura gruta penetra a figura,
Esguia, pálida, com seus cabelos negros,
Os olhos assustados ao ver-me desperto,
Seu pavor explicado por atitudes corriqueiras de meu povo,
Em suas mãos uma tigela de madeira,
Adornada por nós e tribais celtas,
Foi a primeira vez que me lembro de ti,
O calor de sua chama interior me consumiu por completo.

Depois do "E"



Eu esperei a eternidade,
Estive paralisado por vidas inteiras,
Enquanto o tumulto passava por entre meus olhos,
Esvaia-se a felicidade de meu ser a conta gotas,
Envenenava-me de angústia e solidão,
Enraizado estava em um drama sem fim,
Era como um ser nefasto a procura de algo a que se agarrar,
Entorpecido e inebriado por uma dor lacerante,
Encarava a vida como que a procura de seu fim,
Estando sempre preso a ciclos infinitos de destruição,
Endurecido pela raiva que me consumia,
Envaidecido por falsas vitorias de outrora,
Ensurdecido pelo orgulho que consumia meus dias,
Entrando profundamente nos vales sombrios das vaidades, 
Estupidamente me condicionava a uma coragem sem limites, 
Foi então que tudo aconteceu,
E com um apagão repentino a luz novamente me rompeu o ser,
Há de ser agora morada em mim eternamente.

Museu de olhos abertos



Foram em tempos sombrios,
Mesmo assim o sol brilhava em minha janela,
Apareceu em meus dias com a leveza de um sorriso,
A força dos antigos se fez presente em seus passos,
O brilho em seus olhos refletia,
A chama que em combustão consumia seus medos,
A mesma que queimava ardente no palácio de Atenas, 
Seu caminhar tão incrivelmente compassado,
Tão bela como uma antiga valsa vienense,
As cores emanadas de ti,
Formando uma linda paisagem como as da Vênus,
Seu corpo uma perfeita moldura ao que carrega em seu coração,
Uma ode de perfeições escrita incrivelmente como Julieta,
Tão incrivelmente forte que Helena se curvaria a seus pés,
A beleza contida em seu ser caminhando a eternidade homérica,
As mais incríveis efígies construídas ao seu louvor,
Esculpida em mármore travertino com detalhes de Milo,
O céu de sua boca tão lindamente decorado como a Sistina,
Poderia muito bem decorar os corredores do Louvre,
Ou em qualquer museu desse pequeno e redondo planeta,
Mas a beleza está contida em toda sua liberdade, pois, 
És tão antiga quanto o mundo que habitava antes desse.